O PADRÃO DE BELEZA PRESENTE NAS SELFIES
Por Jordan Viana, Maria Paula Moreira e Yandria Rayellen.
AS REDES SOCIAIS E A FOTOGRAFIA
A internet é caracterizada hoje como o segundo maior meio de comunicação do mundo, ficando atrás apenas do meio televisivo, que continua sendo o maior fornecedor de informações em uma condição global. Esse serviço de comunicação se expandiu com maior força no Brasil no início dos anos 2000, impulsionando as famosas redes sociais, presentes na maioria dos smartphones da atual geração. Hoje, as plataformas como Facebook, Instagram e Twitter são alguns dos principais exemplos das mídias sociais que rondam o ciberespaço. A fotografia tornou-se uma das principais ferramentas para os vínculos virtuais através dos diversos perfis espalhados nas redes, sendo uma grande fonte de comunicação dentro dessas plataformas digitais.

Redes sociais (Reprodução: Pixabay)
É importante ressaltar a relação da fotografia na construção dos perfis que circulam pela web, pois é através dela que o indivíduo irá dar visibilidade ao seu “eu” e passar a se integrar de grupos pelo qual mais se identifica, como acontece no Facebook, por exemplo. As mais diversas fotos, podendo variar entre registros fotográficos, fotos publicitárias, álbum de família e quando se fala em Instagram, as tão conhecidas selfies, são opções utilizadas pelo usuário para traduzir momentos de sua vida, pois são através dessas fotos escolhidas que as pessoas buscam transmitir a sua realidade. Essa identificação e visibilidade virtual do “eu” real de cada indivíduo é melhor descrita por Rebs e Recuero:
“Ao fazerem parte do ciberespaço, os atores sociais se veem necessitados de uma identificação particular, visto que há a ausência da visibilidade do corpo físico nestes lugares online. Os sites de relacionamento exigem, assim, uma imagem, um retrato do sujeito que vai constituir redes sociais pela comunicação mediada pela Internet. A fotografia é selecionada, manipulada, digitalizada e postada, enfim, como forma de construção visual da face do “eu” do sujeito no ciberespaço” (REBS e RECUERO, 2013, p. 5).

Grupo Futurista (Reprodução: Unsplash)
Em suma, pode-se dizer que as fotografias postadas nas redes sociais são uma forma de divulgação pessoal, podendo ser consideradas como propagandas da nossa própria imagem — quase sempre em momentos de felicidade, no melhor momento de nossas vidas. O renomado fotógrafo e historiador Boris Kossoy, afirma:
“Os homens colecionam esses inúmeros pedaços congelados do passado em forma de imagens para que possam recordar, a qualquer momento, trechos de sua trajetória ao longo da vida. Apreciando essas imagens, ‘descongelam’ momentaneamente seus conteúdos e contam a si mesmos e aos mais próximos suas histórias de vida. Acrescentando, omitindo ou alterando fatos e circunstâncias que advêm de cada foto, o retratado ou o retratista têm sempre, na imagem única ou no conjunto das imagens colecionadas, o start da lembrança, da recordação, ponto de partida, enfim, da narrativa dos fatos e emoções” (KOSSOY, 1999, p.138).
MOVIMENTO DAS SELFIES E ESTÉTICA
As selfies, como são conhecidos os autorretratos tirados por pessoas sem a ajuda de ninguém, são uma febre na internet nos dias de hoje. O termo veio do termo inglês Self Portrait, que é resumido para selfie, como uma gíria utilizada na atualidade. Esse tipo de fotografia veio a se tornar bastante conhecido com as chegadas dos smartphones, os quais renovaram conceitos que já existiam, reunindo e facilitando tudo em um aparelho só.
É impossível entrar em uma rede social e não se deparar com uma imagem de alguém, tirada pela pópria pessoa com um aparelho celular ou câmera digital, que por muitas vezes é possível notar o braço do fotógrafo estendido para dar uma distância de um bom enquadramento, ou até mesmo a famigerada foto do espelho com o dedinho para cima. As selfies vieram como um movimento de democratização da fotografia amadora, para que as pessoas não precisem pagar por um equipamento muito caro para registrar um momento. A selfie pode ser considerada um fenômeno visual contemporâneo, mas que carrega algumas intencionalidades do passado, como ter o registro de si, mostrar aos outros e adotar uma determinada pose (TOREZANI, 2017. p. 5).
Dentre as infinidades de retratos que são gerados por meio desse método, muitas pessoas acabam se prendendo a tendências e padrões de beleza, desse modo, sendo influenciados diretamente na hora de tirarem uma foto. Filtros embelezadores, clareadores de dentes, modificadores de íris e até mesmo deformadores de faces, gerando uma estética duvidosa de como a população vêm se enxergando perante a tela de seu celular. Muitas pessoas nos últimos anos têm aderido a procedimentos estéticos como harmonizações faciais para seguir essa estética e acabam frustrados com os resultados não esperados. Muitos tentam seguir personalidades famosas, como Kim Kardashian, que foi considerada por muitos a rainha da selfie, por suas fotos que apresentam sua estética e seu padrão de beleza com lábios grossos e o famoso “carão”. O fato é que, com a internet, tem se tornado mais suscetível a busca das pessoas para alcançar uma beleza específica em nome de uma tendência gerada pelas selfies.

Kim Kardashian e sua mãe Kriss Kardashian.(Reprodução: Instagram/Kim Kardashian)

Selfie de Kim Kardashian (Reprodução: Instagram/Kim Kardashian)
É notável como o mundo contemporâneo tem buscado cada vez mais variações nos padrões estéticos, que mudam no decorrer do tempo e espaço. Não só na sociedade brasileira, mas também em países com diferentes culturas e padrões, a beleza da mulher, principalmente, tem se tornado um dos principais meios de valorização da figura feminina no espaço. O papel das imagens para a formação dessa identidade visual estereotipada dentro do ciberespaço está estritamente ligado a publicidade, que mostram que “hoje o ideal a ser seguido é o do corpo (magro e malhado, mas sem músculos, barriga ‘seca’, coxas definidas e duras e seios firmes) [...]” (SAMARÃO, 2007, p. 50).
Essa redução do corpo da mulher em pequenas partes e detalhes, faz com que a busca para se atingir o patamar desejado para se ter o corpo supostamente ideal, faça do ser um “escravo da beleza”. “O século XXI traz a obsessão por ser magra, por ter um corpo rígido, ‘perfeito’, isento de qualquer descuido ou preguiça. A mulher deve ter um corpo plasticamente perfeito, à prova de velhice, um corpo que se torna, cada vez mais, um objeto de design” (SAMARÃO, 2007, p. 50).

Procedimentos estéticos (Reprodução: Pik Wizard)
O filme de comédia brasileiro Linda de Morrer (2015), disponível na Globo Filmes e Amazon Prime, faz uma crítica sobre a incessante busca por perfeição dentro dos padrões estéticos impostos pela sociedade brasileira contemporânea, que considera como ‘inimigas da beleza’ as naturais celulites. Na trama, a personagem de Gloria Pires aplica em si mesma uma fórmula para acabar com as celulites, mas não obtém sucesso na experiência quando os efeitos colaterais da fórmula levam a personagem principal a óbito. A protagonista, então, volta para Terra com a ajuda de um amigo médium e tenta impedir que sua sócia coloque o produto no mercado, o que levaria outras mulheres, que também buscam tal aprovação estética, a morte.
REALIDADE DISTORCIDA E BUSCA POR PERFEIÇÃO
A rede social Instagram, lançada em outubro do ano de 2010 por Kevin Systrom e pelo brasileiro Mike Krieger, é a quarta rede social mais usada no país, somando 95 milhões de usuários, de acordo com o relatório da We Are Social e da Hootsuite. A opção dos stories, ferramenta que deixa fotos ou vídeos de até 15 segundos por 24 horas no perfil, chegou em 2016 na plataforma e mais tarde ganhou a ferramenta dos filtros que serviriam como uma maquiagem naquele pequeno tempo determinado das publicações. Esses filtros, por sua vez, ganharam força com o passar dos meses, conquistando os usuários com a praticidade de se ver com cílios volumosos, maquiagens, dentes mais brancos e até mesmo um nariz mais afinado.

Imagem sem e com filtro embelezador. (Reprodução: Instagram/Jordan Viana)
Personalidades famosas começaram a utilizar tais ferramentas como propagandas de produtos de beleza, onde nomes como o da Kylie Jenner e seus filtros na divulgação da sua empresa de cosméticos Kylie Cosmetics e Kylie Skin,, passaram a ter mais destaque. O alcance cada vez maior em conjunto com a padronização, principalmente, do estereótipo feminino, foram o impulso para a problemática da questão: a visão de uma realidade distorcida e a constante busca pela perfeição baseadas em filtros, efeitos e personagens que são colocados como “exemplos a serem seguidos” por muitos usuários. Uma vez que as publicações de fotos e vídeos nas redes acontecem majoritariamente em momentos de diversão e longe de qualquer pensamento negativo, a visão da realidade existente se torna mais ofensiva e cabisbaixa. O ser passa então a buscar uma vida perfeita como as que são expostas através das imagens que rodam em seu feed, assim, esse “eu” passa a querer ter o corpo perfeito, se rendendo às tendências da internet.

Kylie Jenner em foto publicitária para sua marca de cosméticos, “Kylie Cosmetics”
(Reprodução: Instagram/Kylie Jenner)

Kylie Jenner em foto publicitária para sua marca de cosméticos, "Kylie Skin"
(Reprodução: Instagram/Kylie Jenner)
Essas tendências, por sua vez, podem se tornar perigosas se a pessoa que for influenciada acabar fazendo de tudo para chegar ao padrão tão desejado, e acabe, de certa forma, exagerando nos procedimentos, ou pelo alto valor desses procedimentos, buscando clínicas clandestinas e profissionais não licenciados para conseguir sua aparência dos sonhos, onde muitas vezes são enganadas, tendo serviços de péssima qualidade que podem deixar sequelas para uma vida inteira. A pressão estética, ainda que interfira a classe masculina, está predominantemente ligada às mulheres, que sofrem cada vez mais com a necessidade que a própria sociedade impõe de estarem sempre dentro do padrão esperado.

Imagem: Reprodução / Domínio Público
É importante ressaltar a ligação desses procedimentos e dessa vontade individual em atingir aquele determinado protótipo, com os problemas associados com a autoestima abalada. Para Guerreiro (2001, p.10) a autoestima é definida “como polaridade dialética correspondente à capacidade em sentir satisfação consigo mesmo e a autocrítica correspondente à capacidade dos indivíduos em identificar, tolerar e aprender em função das suas insatisfações pessoais”. A pressão estética, portanto, tem uma função de auto depreciação no subconsciente de quem almeja tanto ser como nos filtros utilizados nas mídias sociais, fazendo da realidade existente o maior inimigo para o ser, que acaba, por sua vez, adoecendo mentalmente.
Confira também:
TRAILER DO FILME "LINDA DE MORRER"
Referências:
BARBOSA, Kaline Aragão et al. O imaginário social feminino e a prática fotográfica do selfie no instagram. 2019.
DE ALMEIDA, Júlia Ferreira. A Fotografia e as redes sociais digitais. 2015.
KOSSOY, Boris. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, 1999.
MAIA, Gabriela Campos. CONSUMO, MÍDIA E BELEZA. A MÍDIA COMO MEDIADORA DE PADRÕES DE COMPORTAMENTOS FEMININOS. Fortaleza: Faculdade, v. 7.
SAMARÃO, Liliany. O espetáculo da publicidade: a representação do corpo feminino na mídia. In Revista Contemporânea, N°8, 2007.
SELFIE. In: DICIO, Dicionário Online de Português. Porto: 7 Graus, 2021. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/selfie/>. Acesso em: 24/05/2021.
TOREZANI, Juliana Nascimento. Do carte de visite ao selfie: a estetização da vida contemporânea. Intercom, Curitiba – PR, 2017.