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Circuitos Brabo

As sociedades originárias concederam às terras das Américas vários nomes, sendo Pachamama um dos mais famosos, até pela referência à mãe natureza cultuada pelos povos andinos. Essa cosmologia permanece na rotina de sobreviventes do genocídio no período colonial, e antes disso, das epidemias de vírus e bactérias estrangeiras que mataram cerca de 95% da população indígena no continente. No mundo contemporâneo, outros desafios acompanham a existência dos habitantes das Américas, como a falta de conexão com a própria ancestralidade, e ainda, com as culturas e dilemas dos países vizinhos. 

mapa indigena america

Mapa de povos originários nas Américas antes do período colonial. Adaptação de Camila Fernandes Rodrigues baseado no livro "1491: Novas Revelações das Américas Antes de Colombo" publicado em 2007 pelo jornalista e escritor Charles Mann.

“Viajar para Bolívia foi uma experiência radical em todos os sentidos”, afirma Cibelle Brito, jornalista com mais de dez anos de carreira nos veículos do Grupo Globo e atualmente editora assistente do jornal O Globo no Rio de Janeiro. A goiana participou do intercâmbio em 2006 e soube da oportunidade através de colegas envolvidos na organização do BraBo. “Foi minha primeira experiência fora do meu casulo (...) participar desse projeto me fez superar limites e vários preconceitos (...) eles são latinos como nós, mas a gente não fala o mesmo idioma e não consome da mesma cultura mesmo sendo países vizinhos (...) eu nunca mais consegui me desvencilhar completamente da Bolívia e acompanho as notícias até hoje”, conclui. 

Diversas comunidades foram visitadas pelos estudantes durante o período de intercâmbio, como os territórios dos povos indígenas Bororo e também Xavante no Mato Grosso, além de vilarejos tradicionais na região de Condoriri, interior montanhoso na Bolívia.  “Os povos latino-americanos e as culturas populares são culturas em movimento. As pessoas amam o lugar em que nasceram, mas caminham pelo mundo”, explica Nilton Rocha, professor de jornalismo na Universidade Federal de Goiás e co-fundador do BraBo. Ele explica que a ideia de resgatar o nomadismo enquanto um princípio ancestral surgiu em 1998, durante um festival de cinema em Cuba. 

Naquela época, o brasileiro compartilhou o sonho de romper fronteiras e unir povos com Ivan Molina, sociólogo boliviano e professor de cinema da Escuela de Cine y Artes Audiovisuales. “A gente parte da ideia de um mundo sem fronteiras linguísticas, econômicas, sociais, de cor, tamanho e nem de nada. Assim começa a proposta de fazer a oficina de cinema (...) estudamos as possibilidades e criamos um planejamento”, explica Ivan que construiu redes de hospedagem solidária em todas as sete edições do intercâmbio para ajudar estudantes de baixa renda e ainda incentivar a conexão emocional e troca cultural em momentos de descanso. “Quando uma pessoa fica na sua casa pro almoço, jantar, pra usar o banheiro, dormir, tudo isso juntos, ela se transforma em família, você tem mais alguém da família no mundo”, argumenta.

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Nilton Rocha, à esquerda, Ivan Molina, à direita. Acervo pessoal: Kamyla Maia

Contudo, houve momentos de estadia coletiva em comunidades rurais, assentamentos do Movimento Sem Terra e também em salas de prédios universitários de ambos os países. A boliviana Zdenka Orsag Lagos participou de três edições do BraBo, entre 2008 até 2010, e depois construiu uma longa e respeitada carreira no cinema. Já contribuiu em quatro filmes de longa-metragem, documentários na Bélgica e Canadá; além de atuar na Bolívia com curtas, videoclipes e séries de televisão. Doze anos depois do colóquio, Zdenka ainda lembra da família brasileira que a acolheu em Goiânia, além da aventura de acampar num convento na Cidade de Goiás e também numa sala de aula do campus Samambaia da UFG. “Fui pra lugares que eu nem sabia o idioma então foi uma experiência impressionante (...) o que mais chamou minha atenção foi a paisagem. Passamos pro lado do Brasil e vimos umas serras icônicas, cheias de cores, sabe? (...) chegamos no campus e foi tipo... UAU!!! eu fiquei muito surpreendida, os lugares me encantaram, sem contar o calor, tão diferente da minha cidade e até os macacos da UFG que roubavam tudo (...) Jamais tinha visto um bosque tropical, foi impressionante, era incrível acordar e ver tudo dourado, quando entrava o sol no campus, tudo ficava dourado, era incrível, eu ficava encantada”, comenta. 

Circuito de 2006

Circuito de 2007

Circuito de 2008

Circuito de 2009

Os circuitos percorridos pelo projeto exigiam intenso planejamento logístico e financeiro. Por isso, os organizadores levavam em consideração os estudantes mais pobres e prováveis gastos imprevistos. Parcerias com órgãos estatais e outras instituições de ensino ajudaram na manutenção do BraBo e ainda na inclusão de grupos fora do eixo universitário, como a quilombola Marta Quintilano que era cozinheira numa escola pública de Trindade, interior de Goiás, em 2010. Marta até tentou negociar férias no trabalho pra conseguir estudar no exterior por um mês, mas sem sucesso, pediu demissão. "Eles falaram que eu queria demais (...) em Trindade eu não tinha perspectiva de nada (...) mas quando estive lá na Bolívia percebi que tudo era possível”, relata a quilombola que através do BraBo viu a própria vida mudar completamente. Agora doutoranda em antropologia pela UFG, acumula grandes feitos, como campanhas eleitorais pra vereadora, prêmios universitários, além da graduação em relações públicas. Outro estudante convidado em 2010 foi o indígena Gilmar Kiripuku Galache da etnia Terena. Ele trabalhava no Museu das Culturas Dom Bosco, vinculado à Universidade Católica Dom Bosco, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Agora em Brasília tornou-se cineasta e participa da Associação Cultural dos Realizadores Indígenas (Ascuri) que continuou a proposta do BraBo através do projeto Cine Sin Fronteras depois de 2012. “As oficinas têm a mesma dinâmica, só que em menos tempo e com mais participação indígena e de outras comunidades, como o povo Caiçara (...) em 2016 a gente fez na Bolívia, mas em 2017 fomos pra Niterói numa parceria com a UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro]”, explica. 

“Nenhum povo é completo em si mesmo, ninguém tem todas as soluções e claro que o olhar do outro enriquece o nosso próprio olhar”, afirma Evandro de Barros Araújo, diplomata nível conselheiro em Quito, capital do Equador. Em 2009 era diplomata cultural na embaixada do Brasil em La Paz na Bolívia. “Do ponto de vista da embaixada o projeto atendeu plenamente o objetivo de apoiar o processo de aproximação entre grupos de artistas e estudantes dos dois países", afirma. Depois de conversar com Ivan Molina e também Nilton José, o diplomata enviou um telegrama pro Ministério das Relações Exteriores que financiou passagens aéreas naquela edição. “Nós compartilhamos com a Bolívia diversas realidades socioculturais e históricas semelhantes, uma fronteira enorme, a maior fronteira com o Brasil (...) trabalhos em cooperação integram os conhecimentos”, conclui.

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