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Em setembro de 2008, a Bolívia interrompeu o fluxo de pessoas nas fronteiras com o Brasil por conta de protestos e conflitos violentos na região. Os manifestantes, a maioria de grupos étnicos indígenas e camponeses, lutavam contra um possível Golpe de Estado articulado pelo governador Leopoldo Fernandéz. Há mais de mil quilômetros de distância da fronteira, estudantes brasileiros participavam do Colóquio BraBo na cidade de El Alto. A volta estava programa para acontecer por terra, parte em trem e outra com ônibus, mas o curso terminou e o tempo de estadia era imprevisível.

Longe de casa, o grupo testemunhou um forte capítulo da história boliviana. A crise política interna a favor de Evo Morales desafiava os interesses de privatização da oposição. A disputa também acirrava os conflitos étnicos no departamento de Pando e tanta movimentação chamou atenção de jornais goianos que ao descobrirem os estudantes brasileiros no país passaram a usar o termo "presos na Bolívia" em manchetes e então começou uma cobertura midiática sobre o retorno dos estudantes.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Veículos como O Hoje, Diário da Manhã e TV Brasil Central até trouxeram entrevistas com os graduandos para comentar a estadia alongada. “Se houver acordo, universidade enviará ônibus a Corumbá para buscá-los”, dizia a manchete do Diário da Manhã de 18 de setembro de 2018, “o grupo filmou duas manifestações pacíficas realizadas terça-feira, 16, em repúdio às mortes dos campesinos em Pando. O episódio foi o mais violento da atual crise”. É interessante ressaltar que até esse momento só 15 pessoas haviam sido confirmadas mortas no confronto, e de que se as negociações Brasil-Bolívia não dessem certo, a Assessoria Especial para Assuntos Internacionais de Goiás iria solicitar resgate à Força Aérea Brasileira. A volta era esperada para o dia 19 de setembro. 

Apesar da tensão entre familiares e professores, os estudantes aproveitavam o tempo extra pra conhecer pontos turísticos do país. “A gente tinha momentos de preocupação, não sabíamos quando iríamos embora, mas ao mesmo tempo a gente aproveitou o único momento de ‘férias’ da viagem", afirma Gabriela Marques Gonçalves. Atualmente ela é doutora em Comunicação pela UAB, a Universidade Autônoma de Barcelona, mas em 2008 cursava o sexto período de Jornalismo na UFG e participava da organização do intercâmbio. Cada integrante brasileiro foi acolhido de maneira solidária na casa de famílias bolivianas, mas por conta do tempo extra, houve revezamento. “A gente levou de uma forma muito tranquila. Cada um estava numa casa diferente, a gente se falava, se encontrava (...) Quando você tem oportunidade de conhecer outras realidades, outros grupos diferentes dos seus, você muda sua perspectiva”, conclui.

"Eu cheguei na Bolívia dia 3 de setembro de 2008", conta Evandro de Barros Araújo, hoje diplomata da Embaixada do Brasil em Quito, no Equador. Em 2008, porém, seu posto era no setor de promoção à cultura na Embaixada de La Paz. “O clima foi ficando tenso, muito tenso e a oposição era muito forte nas terras baixas, sobretudo em departamentos como Tarija, Santa Cruz, Beni e Pando”, Evandro explica que essas quatro regiões - as mais ricas do país e chamadas de 'meia-lua' - passaram a exigir a devolução de uma porcentagem de impostos relacionados à produção de gás natural arrecadados durante o governo de Evo Morales, além de rejeitarem a constituição de cunho mais estatizante da época. “O dia 11 de setembro foi o dia das mortes. A oposição entrou em várias repartições públicas. Não sei exatamente quais repartições, mas entrou, botou fogo, queimou arquivos... No departamento do Pando, que faz fronteira com o Acre, foram os enfretamentos mais violentos [...] 17 pessoas morreram”, destaca. Ao todo 30 camponeses morreram na chacina que marcou a Bolívia como a mais violenta desde a volta da democracia.

Evandro também comenta, no entanto, que os anos 2000 foram “uma época de efervescência cultural na Bolívia” e que os movimentos sociais passaram a ter uma participação grande no governo. Mudanças culturais no país foram o que facilitaram as parcerias internacionais entre universidades. “O BraBo surgiu num contexto de investimentos na educação superior pública e sintonia entre governos que gerou boa relação diplomática”, ressalta.

"Perceber como a América Latina é desigual e as pessoas muitas vezes não tem acesso a itens básicos me marcou", conta Kamyla Faria Maia, bacharel, mestre e doutora em comunicação pela UFG. "Tudo era muito, muito intenso. A gente ia para as manifestações, tinha bomba e aí a gente ficou sabendo das greves que eles fizeram, das manifestações contra a privatização do gás e contra a privatização da água (...) eu fiquei impressionada, porque que a gente não se mobiliza dessa forma no Brasil (...) em La Paz teve uma manifestação muito grande dos idosos exigindo direitos de aposentadoria, e eles ficavam sentados na rua na praça Murilo que é do Palácio do Governo;  eu vi gente brigando fisicamente. Nunca tinha visto tanta gente na rua. Eu nunca tinha visto idosos, pessoas acamadas, muito populares, protestarem por direitos. Aquilo foi tão impressionante... saber que as pessoas têm essa força. Eu tive a oportunidade de conhecer uma esperança”, conclui.

Antes de viver a experiência in loco, os estudantes da primeira edição, 2006, participaram da disciplina Jornalismo e Cultura de Fronteiras, oferecida na Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia (Facomb). Os estudos duraram seis meses e mesmo após tanto preparo, surpresas aconteceram. Durante uma visita à feira, Renato Cirino, jornalista e agora doutorando em cinema pela UFG, comprou uma bandeira da Bolívia e a amarrou como uma capa nos ombros. "Andando no meio da feira, um senhor parou e falou assim: olha, você não faz ideia, não tem o direito de fazer isso. Essa é a nossa terra. Por mais que eu tentasse argumentar com  o senhor, o que ele falou me tocou porque o simples fato de enrolar na bandeira não necessariamente poderia ser um sinal de respeito àquele espaço”, relembra, O BraBo aumentou a vontade do Renato de aprender espanhol. "Somos o único país na américa latina que fala português e o espanhol é desvalorizado em nosso sistema educacional (...) depois dessa experiência na Bolívia refleti pela primeira vez sobre isso (...) desde que voltei estudo a língua espanhola", relata.

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O caso de Renato e várias outras descobertas políticas do grupo de 2006 na Bolívia foram registradas por Daniella Pereira Barbosa no livro Expedição BraBo, uma trajetória de 15 dias por terras bolivianas, publicado em 2009. "Coisas não planejadas aconteceram pelo caminho e para mim isso foi bom, porque acabou sendo o fio condutor do meu livro (...)  a gente resolveu pautar uma peça sobre a vida do Marcelo Queiroga (...) ele era um revolucionário, lutou contra uma ditadura na Bolívia, mas desapareceu (...) a arte tem um poder transformador e dediquei um capítulo pra essa experiência", explica.

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